terça-feira, 12 de julho de 2016

MÉDICOS POR VOCAÇÃO

 MÉDICOS POR VOCAÇÃO

O texto de hoje não é uma continuação do publicado ontem.
Aproveitei a deixa do único comentário postado, para relembrar fatos que marcaram minha vida, alguns de forma dolorosa, difíceis de serem relembrados.
Com menos de um mês de idade, por não produzir plaquetas indispensáveis  a coagulação do sangue, Maria Silvia teve que ser internada no Hospital das Clinicas de São Paulo, onde seria tratada pela maior autoridade em hematologia na época, Dra. Therezinha Verrastro.
Período difícil, pois morávamos ema Atibaia e Maria Silvia permaneceu internada durante 40 dias.
Durante esse período, Regina ficava no hospital durante o dia e minha mãe, a noite. Eu passava o tempo que podia, inclusive sábados e domingos.
Testemunhei casos que me assombraram, pois não havia quartos particulares a não ser para portadores de doenças contagiosas.
As crianças eram atendidas sempre por um médico que fazia o papel de monitor e diversos residentes, moças e moços que aferiam seus diagnósticos com a palavra final do “instrutor”.
Vi residentes sorrindo, alegres, enquanto examinavam um bebê prestes a falecer. Difícil entender essa frieza, essa falta de solidariedade, principalmente para uma criancinha solitária, longe dos pais.
Convem salientar, que éramos os únicos pais e avó, que ficavam de plantão na ala infantil do Hospital das Clinicas. As visitas de outros pais ou parentes eram raras.
Em contrapartida a essa frieza, vi diversas vezes, um médico que também atendia minha filha, carregando no colo e limpando o nariz de uma criança pequenina, portadora de nanismo. Havia chegado doente e após curada, foi esquecida pelos pais.
A pequenina vivia zanzando pelos quartos do hospital, sempre com o nariz escorrendo e como não era bonitinha, poucos de lhe davam atenção, a não ser aquele médico, que a carregava no colo, limpava seu narizinho e talvez lhe contasse algumas histórias.
Ficava extremamente comovido com essa cena, pois presenciava um ato sublime, de compaixão, caridade e amor ao próximo, um comportamento digno de um verdadeiro médico.
Outro caso com que deparei e que ficou gravado em minha memória, é de José Bourabebi, um “turcão” de quase dois metros de altura, clinico geral, que encontrei pela primeira vez quando era prefeito de Ubatuba.
Conversar com ele na prefeitura ou na rua era um problema, pois ocorriam interrupções a todo instante. Telefonemas de pessoas pobres solicitando vales para compra de remédios, outros adentrando ao gabinete que era franqueado a todos, reclamando de dores, mal estar.
Bourabebi interrompia nossa conversa, examinava rapidamente o doente, escrevia num receituário os remédios indicados e autorizava a compra na farmácia que fornecia remédios fiado a prefeitura.
Tentando acalmar um pouco sua vida, pois Ubatuba no início dos anos 80 já começava a ter um crescimento acelerado, mudou-se de mala e cuia para São Bento do Sapucaí, na época uma cidadezinha pacata próxima a Campos do Jordão, na divisa com Minas Gerais, que deveria ter no máximo uns 3.000 habitantes.
Talvez, alem da medicina, tivesse vocação para político, sendo eleito prefeito da cidade, que por sinal, há bom tempo não pagava as contas de iluminação publica, possuindo um razoável débito com a CESP.
Certa ocasião, programei uma visita para ver se conseguia equacionar essa divida, pois o parcelamento que havíamos firmado não vinha sendo pago.
Econtrei Bourabebi na rua, em frente a decrépita prefeitura.
Como de costume estava atendendo doentes, ouvindo suas queixas, apalpando, ascultando, sempre com bom humor, pois sem dúvidas, o “turcão” tinha um imenso coração.
Depois de algum tempo, entramos na prefeitura.
Argumentei sobre os motivos de minha visita, esclarecendo que ao menos, algumas parcelas atrasadas deveriam ser pagas, para evitar o corte da própria prefeitura e de outras instalações que não comprometessem a segurança e serviços essenciais.
Ele me franqueou as contas, deixando claro, que se pagasse a CESP não poderia pagar os funcionários, pois a arrecadação municipal era insignificante.
São Bento do Sapucaí subsistia a duras penas, graças ao FPM-Fundo de Participação dos Municípios.
Obviamente e extra-oficialmente, sugeri que deixasse o debito da CESP de lado, utilizando a minguada verba disponível para ir tocando o dia a dia da prefeitura.
Esqueci de mencionar, que José Bourabebi possuía apenas um fusquinha, não tendo nenhum outro bem, pois gastava a miséria que recebia, pagando os remédios que receitava para seus pacientes.
Não sei que fim levou, pois como era talvez um 20, 30 anos mais velho que eu, já deve ter morrido,
Com certeza, ocupando um lugar especial no céu.
Exemplos de pessoas, de profissionais honrados, que aproveitaram seus conhecimentos para tentar minorar as dores e os males dos semelhantes.
Verdadeiros exemplos de médicos por vocação, que praticaram na integra o “Juramento de Hipocrates”.

José Roberto- 12/07/16


Um comentário:

  1. Muito bom! Senti que ao escrever estava homenageando a todos os médicos que praticam o "Juramento de Hipócrates". Todos nós precisamos muito deles no nosso dia a dia...

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