quarta-feira, 19 de agosto de 2020

QUARENTENA- DIA 155- UM APARTAMENTO NA CONSOLAÇÃO


QUARENTENA- DIA 155- UM APARTAMENTO NA CONSOLAÇÃO

Nota: Escrevi esse texto em junho de 2008.Perdi o contato com o velho e querido amigo, pois a preguiça e a rotina são impecilhos difíceis de serem contornados. Recebi recentemente um foto atual do velho Romolo, com novo visual e uma nova mulher. Talvez seja a quinta ou sexta, ou a enésima. Por via das dúvidas editei a foto que capeia o texto, mostrando apenas o insuperável Romolo.

José Roberto- 19/08/20

UM APARTAMENTO NA CONSOLAÇÃO

O telefone tocava insistentemente. Era quase meia noite e eu estava entrando naquela fase gostosa do sono.
Meio zonzo, peguei o aparelho no mesmo instante que minha filha pegava a extensão, ouvindo meio atordoado: “porra Gimael, porra, há quanto tempo, porra!”
Até o Romolo conseguir se identificar, foram montes de “porras e caralhos”.
O danado tinha abusado do scotch.  Abrindo por acaso sua agenda, topou com meu nome e telefone, que lhe havia sido dado por um amigo comum já há algum tempo. Quis o destino ou a manguaça, que naquele exato momento  ligasse para mim.
Esse fato ocorreu há uns três anos atrás e já fazia mais de vinte que não falava e tinha notícias da figura.
Depois que despertei, papeamos por alguns minutos combinando de nos encontrar na quinta-feira, num barzinho em Ipanema, onde outro conhecido cespeano, iria dar uma canja com seu violão, cantando junto com sua companheira, musicas da MPB.
Minha filha, que havia continuado na extensão e escutou nossa conversa, veio ao meu quarto para perguntar quem era esse amigo “porra-louca” do qual nunca tinha ouvido falar.
Estranhou o fato de eu ter um amigo assim tão “prafrentex”, pois sempre me achou meio quadradão.
Contei então para minha curiosa filha, em linhas gerais, de quem se tratava.
A primeira vez que cruzei com Romolo, foi no pátio da CESP em Rio Claro, abril de 1968.
Olhei espantado para aquele sujeito cabeludo e barbudo, parecendo Jesus Cristo, me perguntando como é que admitiam tipos como aquele na empresa.
Fiquei logo com um pé atrás, pois naquele tempo, um sujeito com aquela aparência não poderia ser boa coisa e estava admirado do terrível Dr. Alberto Kuynjian não exigir a tosquia do cidadão, permitindo sua livre circulação por seus domínios.
Depois, conversando com outras pessoas menos obtusas que eu, fiquei sabendo que Romolo era boa gente, meio zen, com ideias e atitudes muito avançadas para a época.
Tivemos pouco relacionamento, pois logo fui transferido para Itanhaém, onde vim conhecer o resto de sua turma, pessoal de Juiz de Fora e Belo Horizonte; Vanderlei, Visentin e outros colegas de primeiríssima linha, todos solteiros, com os quais aprontei um bocado.
Voltei a encontrar Romolo em 1974, quando fui transferido para São Paulo, onde ele já estava trabalhando.
Embora em áreas diferentes, estávamos lotados no mesmo prédio e assim passamos a ter um convívio maior, com a interveniência de um grande amigo comum(Norberto, meu grande, grande, grande e saudoso amigo).
O caipira de Piracicaba já não mais estranhava aquele cabelão e barba comprida.
Romolo morava num apartamento na Consolação junto com Vandeco,  e Norberto dizia, que lá era um tipo de pousada, aberta as viajantes “duros’, artistas em começo de carreira, cantores, pessoas diversas, onde todos poderiam usufruir de um teto amigo, principalmente nas horas de aperto e grana curta.
Vocês podem imaginar a mente aberta desse cara, simples e despojado, mas culto e de gosto refinado, que acolhia em seu apartamento os tipos mais diferentes e esquisitos de varias partes do país e do mundo.
Certa vez, quando estava sozinho em São Paulo, Regina e os filhos estavam na casa dos pais, Norberto que também encontrava-se de passagem, pois morava em Itapeva, me convidou para dar uma chegada no famoso apartamento da Consolação.
Chegamos por volta das 20,00 horas. A porta estava totalmente aberta, franqueada a todos.
Logo de cara topamos com o Romolo, com um copo de uísque na mão, vestido com um caftan, conversando com um casal de franceses que estava de passagem, viajando como mochileiros pelo Brasil.
Fiquei impressionado ao vê-lo sentado, com um ar compenetrado,  pernas abertas, sem cuecas e com o saco a mostra, tentando seriamente arranhar o francês, atento as palavras do jovem casal. Era um espetáculo digno de uma foto.
Em seguida apareceu uma cantora em início de carreira, Tetê da Bahia, que fazia uns bicos nas boates da região, e que já desfrutava da hospedagem gratuita a mais de uma semana.
Lembro, que pouco depois foi servida aos presentes uma suculenta sopa. Caprichamos(Eu e Vandeco) na dose de pimenta malagueta no prato do francês, que para nossa consternação, achou ótimo e lambeu os beiços.
Foi uma noite inesquecível, num ambiente agradável e quase surreal, com pessoas de diversos níveis intelectuais e de interesses, como se participássemos de um típico filme de Fellini.
Morei em São Paulo até meados de 1978, tendo a  oportunidade de almoçar diversas vezes com Romolo , travando altos papos e  aprendendo  a respeitar e entender seus pontos de vista pouco ortodoxos, bem como sua forma de viver.
Depois que vim para o Rio perdemos o contato, cada um seguindo seu caminho.
Em nosso reencontro, vinte e tantos anos depois, no Bar da Lua, ponto de encontro GLS(não poderia ser num lugar normal), pusemos nossos assuntos em dia.
Fiquei sabendo que  mora atualmente em Niterói. Havia casado três vezes, tinha filhos e se dava maravilhosamente com todas as ex-esposas. O Sujeito é um mestre no trato com as mulheres.
Foi uma noite memorável, em companhia de minha mulher e da filha mais velha. A caçula, origem dessas lembranças não estava presente, fato que muito lamentou.
Nos despedimos, ficando de nos encontrar brevemente, coisa que principalmente por minha culpa, até hoje não ocorreu. Precisamos sanar urgentemente essa terrível falha, pois quero que minha filha conheça meu amigo “porra-louca”.
Existem acontecimentos que pelas mais diferentes razões marcam nossa vida.
Essa noite tão diferente num  apartamento da Consolação, foi um deles, numa fase difícil de minha vida, de muita luta e dinheiro curto, onde pude arejar minhas ideias, ver as coisas sob outros ângulos, numa São Paulo ainda humana, mais agradável de se viver, sem medo de roubos e assaltos .
Romolo podia deixar as portas de seu apartamento e do imenso coração abertas,  sempre pronto para acolher os amigos e viandantes.

José Roberto- 24/06/08




3 comentários:

  1. O saudoso apartamento 141 da Consolação deixou saudades. Não só das gandaias, mas também pela visita de amigos de todos os cantos do Brasil e até do mundo. Dá CESP nem se fala, eram tantos e participavam da alegria geral do apto. O Romolo, grande anfitrião, com suas batas coloridas era um sucesso ímpar. A vida vai passando e ainda bem que podemos recordar dos bons tempos. Grande Romolo o " criador" do 141.

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  2. Não tive a oportunidade de ir ao falado apto, mas cruzei muitas vezes com o Romolo e presenciei algumas de suas aventuras, as suas habilidades no trato das mulheres, e uma vez envolvendo uma descasada com filhos a tiracolo. Um cara prafrentex e incrível. Bons tempos!

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