quarta-feira, 10 de abril de 2019

VICK, MEU FIEL ESCUDEIRO


 VICK, MEU FIEL ESCUDEIRO

Deixei passar um dia para que a dor em meu coração arrefecesse, para tomar coragem e tentar colocar num texto, parte das lembranças inesquecíveis que se embaralham em meu sofrido peito.
 Foi nessa mesma época há quinze anos, que minha mulher recebeu a ligação do Pet Shop informando que tinha o filhote que procurávamos.
Tinha que ser vacinado, pois era um presente para minha sogra que havia perdido há pouco, Joe, um espertíssimo Poodle que morreu de uma dessas  doenças brabas e contagiosas, embora tivesse sido vacinado. Provavelmente a vacina estava vencida.
Recordo que já era quase noite quando fomos ao Pet Shop para escolher o bichinho.
Eram dois que preenchiam os requisitos, um Poodle e um Pug , vacinados, com pouco mais de três meses de idade.
Os dois filhotes eram uma graça, mas minha mulher ficou encantada com o puguesinho de cara preta, que custava quase dois mil reais, enquanto o poodle custava apenas trezentos.
Obviamente escolhi o poodle, mas Regina conseguiu me chantagear, pois fungando e com lagrimas nos olhos não desgrudava do cãozinho, que inclusive já tinha nome, Vitor.
A contragosto, fui incapaz de resistir a choradeira e acabei gastando uma nota na aquisição do filhote.
Nesse mesmo final de semana que precedia a Páscoa, o levamos para Itanhaém,  presenteando minha sogra com o belo e caro cãozinho.
Aparentemente tudo corria bem, mas Dona Dita, acostumada com Joe, inteligentíssimo, a ponto de ao toque da campainha, subir no sofá, afastar a cortina e olhar pela janela para ver quem era o visitante, sentiu dificuldades em se adaptar ao filhote levado e brincalhão, desobediente, não atendendo ordens nem comandos.
 Algum tempo depois, voltando a Itanhaém, percebemos que alem de estar mancando, Vick, apelido que adotamos, dormia num pequeno banheiro fora de casa, o que achamos um absurdo, pois Pug é uma raça delicada e carinhosa, que precisa de cuidados e atenção constante.
Acredito que minha sogra deve ter ficado satisfeita em nos devolver o presente, que de ora em diante passaria a fazer companhia ao Kimo, nosso “encardido” poodle já com uns quatorze anos, que mordia traicoeiramente na saída,  o calcanhar de todos que frequentavam nossa casa.
Kimo foi nosso primeiro cão, presente que demos a Fernanda e era seu xodó.
Mas a chegada de Vick mudou as coisas, pois adotou Fernanda de imediato e o amor foi recíproco, provocando ciúmes em Kimo, que também era muito esperto, me escolhendo como seu novo e melhor companheiro.
 E assim passavam os dias, com Vick enchendo a paciência do velho e ranzinza Kimo, comendo de birra sua comida e dormindo na cama de minha filha, colado ao travesseiro, roncando em suas orelhas. Os cães da raça Pug roncam alto, devido a problemas de respiração.
Kimo dormia em nosso quarto, quietinho a meu lado. Também adorava dormir no meio de minhas pernas, na cadeira do “papai”, nos sábados e domingos após o almoço, quando já subia da quadra manguaçado, pois após os jogos a tradição é traçar uma respeitável quantidade de cervas e  alguns destilados.
Tudo perfeitamente normal até o casamento de minha filha, com nova mudança nos hábitos e costumes na casa, pois nos recusamos a deixar que levasse Vick como parte de seu dote.
Nova mexida e adaptação, pois Vick mais forte e ágil tomou rapidamente o lugar do Kimo  nas sonecas entre minhas pernas, me adotando como seu novo dono, ou o inverso.
Kimo, sem opções, passou a dormir ao lado de Regina, também adotando-a como nova mestra.
Infelizmente Kimo não durou muito mais, pois com 17 anos bem vividos já estava cego e cansado, falecendo naturalmente, sendo enterrado nos fundos do jardim do nosso prédio.
A tristeza foi imensa. Escrevi um belo texto em sua homenagem que rendeu maravilhosos comentários de pessoas que o conheceram, infelizmente perdidos, devido ao bloqueio do meu blog pelo servidor Terra.
Vick tornou-se a sensação de nossa casa, adorado por todos, até mesmo por Júnior que nunca morreu de amores pelo Kimo.
Dávamos nossos passeios todos os dias, no início pela manhã e a tardinha, com o passar do tempo nos limitamos a apenas uma saída.
Nossa caminhada habitual era pela calçada em direção a pracinha, que denominei “da macumba”, dada a quantidade de despachos com os quais topávamos, alguns tentadores, com coxinhas, quibes e outros acepipes que deixavam Vick e eu com água na boca.
Com a crise até os despachos rarearam.
Nas caminhadas encontrávamos com Belinha, uma Yorkshire de  Dona Ema que dava “bola” ao Vick, mas era castrada.
Batia longo papos com Dona Ema, vizinha do prédio ao lado, ótima fofoqueira que me colocava a par dos rolos de seu edifício.
Outra amiga habitual com quem também batia bons papos  era a Ana, dona de dois bassês invocados que não deixavam Vick cheirá-los a vontade.  Após sua mudança embora para perto, raramente nos vemos, embora mantenhamos contato pelo whats app.
Vick não tinha noção de perigo, pois cruzava com cães enormes e tentava partir para o confronto, sempre contido a tempo para evitar a catástrofe obvia.
Tinha também uma irresistível queda por cadelas grandes, em especial uma waimarane e uma boxer, que deixavam que ele a muito custo, pela diferença de altura, cheirasse suas “partes” a vontade.
Nessas andanças, conhecemos também uma vizinha, que tinha três Pugs, um macho e uma fêmea castrados e a mais nova ainda “virgem”, prometida a Vick assim que entrasse no cio.
Quando chegou a esperada ocasião, Mel a cadelinha, foi levada ao nosso apartamento, pois segundo entendidos, a cadela que deve visitar a casa do macho.
Vick recebeu-a todo assanhado e para evitar constrangimentos pretendíamos deixar os dois passarem a noite “in Love”, na cozinha.
Eis que lá pelas tantas, escutamos um uivo altíssimo da Mel, provavelmente sentindo falta da dona que já havia se retirado.
Vick assustado com o berreiro, não quis mais saber de graça nenhuma com a “gritona”, da qual tomou distância, refugiando-se em nosso quarto.
Pela manhã, Mel foi recolhida intacta.
Nesse quesito Vick deixou a desejar, preferindo após o infausto namoro, se dedicar a chamegos e mordidas em uma cachorra de pelúcia que havíamos comprado.
Vick foi uma alegria em nossas vidas. Adorava as viagens a Itanhaém desfrutando do tamanho e dos jardins da casa.
Logo que chegávamos, subia correndo a rampa que ligava nossa casa, a de minha sogra, cujo terreno fazia fundos com o nosso, onde abrimos uma passagem. Ia apresentar seus cumprimentos a Dona Dita.
Aqui no Rio, alem dos amigos de rua que eram muitos, conhecidos das caminhadas, Vick era a “paixão” de Bahuan,  Buldog francês tarado de minha filha, que alem de lamber desbragadamente sua orelha, era louco para montá-lo. Vick passava um cortado para evitar esse duro assédio, pois Bahuan é bem mais forte, mas sempre deu um jeito de escapar do tarado bombador.
Minha vingança era preparar a comida do Vick quando Bahuan estava por perto. Bastava o atrevido se aproximar para Vick virar uma fera e partir para o confronto, fazendo o grandão afinar.
Vick era minha sombra. Me acompanhava nos banhos, acordava cedo para dormir a meu lado enquanto lia mais de hora no “trono”, antes de fazer a barba e da ducha matinal.
Nunca o deixávamos só, sem alguém da família por perto.
Em nossas viagens Júnior sempre era escalado para o plantão contínuo, e vice-versa.
Em nossas ausências prolongadas, Vick passava o primeiro dia recluso em nosso closet, sem comer.  A partir do segundo dia, aceitava a companhia de meu filho(não tem tu, vai tu mesmo).
Não o considerava muito inteligente, mas tinha lá suas espertezas e manhas.
Ao sentir a noite cheiro de perfume, sabia que íamos dar uma saída. Baixava a orelhas, desenrolava o rabo, e se recolhia para sua cama no closet, dormindo até nosso retorno.
Vick tinha cama  em pelo menos quatro cantos de nossa casa, das quais fazia uso principalmente no inverno, pois era terrivelmente calorento.  Vasilhas com água também em todos os cômodos.
Ficou surdo de repente e com o passar do tempo foi também perdendo a visão, exigindo que eu passasse diretamente em seus olhos, duas vezes por dia, uma pomada especial para retardar o processo.
Vick, como todo cão da raça Pug, não late, é dócil, mas sujeito e alergias e problemas constantes de ouvido, sendo freguês fiel do veterinário e usuário de colírios, pomadas e remédios diversos, inclusive para artrose.
Deveria ser chamado de “Prejuízo”.
Até o ano passado, com o agravamento da perda de visão e com dificuldades para andar, nossos passeios ficavam limitados apenas a frente do prédio, pois Vick já trombava com objetos, caindo diversas vezes.
Nosso coração ia ficando apertado, pois sabíamos que nosso querido cão não iria longe, dando claros sinais de fadiga física.
Neste último ano praticamente não saiu de casa, a não ser a inevitáveis visitas ao veterinário.
Vick  passou a andar bem cambaleante, caindo repetidas vezes, tendo grande dificuldade para se aprumar.
Acordava muita e muitas vezes de madrugada, chorando e gemendo de dor, fazendo com que eu levantasse, lhe desse analgésicos e ficasse  agradando até o remédio fazer efeito e pegar no sono.
Passei muitas madrugadas em claro ao lado desse fiel companheiro.
Nas ultimas semanas as dificuldades aumentaram.
Andava pouco e com mais dificuldade. Somente comia deitado ou com minha ajuda, sustentando seu corpo. Beber água era outra batalha.  Sentíamos que seu tempo junto a nós estava terminando.
Na madrugada de segunda, Vick chorou muito, não conseguindo se sustentar de pé nem por um segundo, pois suas patinhas traseiras estavam totalmente “soltas”, como se estivessem ligadas ao corpo por um fino músculo.
Passamos parte da manhã discutindo sobre as providências, e Junior achou melhor levá-lo ao veterinário que o atendeu há poucos meses, quando apresentou pequena melhora.
Fiquei extremamente comovido ao ver meu filho derramar lagrimas silenciosas, fazendo agrados no Vick, que deitado, gemia baixinho.
Pediu-me que fizesse o melhor, evitando ao máximo medidas extremas.
(escreveu um belo texto, sobre seu ângulo de visão, “in memorian” ao inesquecível pequenino no meu breve post de ontem)
Fomos até uma clinica na Barra, onde o veterinário conhecido estava de plantão.
Após longo e acurado exame, constatou que suas pernas traseiras estavam paralisadas, provavelmente devido a uma compressão na coluna.
Um possível caminho seria a realização de uma ressonância magnética com anestesia geral, e provável operação da coluna.
Considerando a idade, as condições gerais de saúde, o veterinário achou a opção mais indicada abreviar o sofrimento de Vick, que durante todo o exame latiu dolorosamente.
Perguntou se queria consultar as pessoas de casa, mas preferi assumir o ônus sozinho, pois já havia tido um acordo tácito com minha mulher e minhas filhas, caso a medida extrema fosse mesmo inevitável.
Chorei um bocado, pois o veterinário me deu uns minutos a sós com Vick, enquanto fazia os preparativos para sua passagem.
Recordando agora enquanto escrevo, as lagrimas voltam a correr livremente em meu rosto.
Foi rápido. Cheirando minha mão Vick dormiu seu sono mais profundo.
Pediram que saísse enquanto embalavam seu corpinho mirrado, pois havia emagrecido nos últimos meses.
Senti o calor de seu corpo em meu colo, durante o longo trajeto até nosso prédio.
De imediato, solicitei ao jardineiro que cavasse um buraco perto do local onde Kimo havia sido enterrado.
Foi uma rápida cerimônia, com lagrimas mudas e algumas orações, pois tenho certeza que Vick estava entrando direto no céu dos cachorros, com pompa e circunstância, sendo recepcionado por Kimo e outros velhos amigos.
Nossa casa anda estranha, vazia, parece que até seu cheiro sumiu rapidamente, pois estava com incontinência, fazendo xixi e cocô em todos os cantos.
Olho no quarto, na sala, no banheiro e ainda sinto sua presença, deitado a meus pés, enquanto degustava os charutos.
A dor vai custar a passar, pois Vick era parte importante de nossa rotina, de nossas vidas.
Meu velho e fiel escudeiro se foi, mas suas lembranças estão gravadas a “fogo” em nossos corações.
Ficou a saudade.

José Roberto- 10/04/19





3 comentários:

  1. Imagino o vazio que o Vick deixou em suas vidas, quando a gente perde um animal de estimação a tristeza é dó tamanho do nosso coração, eles nos dão todo o amor do mundo e pedem de volta muito pouco, além do mais preenchem a nossa vida e a nossa rotina diária com passeios, banhos, remédios enfim todo o pacote de funções que temos o prazer de fazer. Quando minha Nina se foi com quase 18 anos, chorei muito e tb como vc, tive que antecipar o fim do seu sofrimento, o Tobias com 16 está “intereiraço” anteontem tirou dois lipomas no pescoço e hoje está “pirilampo” pela casa, ������. Depois da Nina jurei a mim mesma, não ter mais pets, ficando só com um, mas sou uma “herege”, adotei a Gaia, uma Daschund fake semi-obesa que é um doce mas burrinha e medrosa, de vez em quando “mija fora do pinico” mas não me arrependo de tê-la comigo. O comentário está longo mas aproveito e faço uma catarse para me lembrar de quanto é duro a perda de um bichinho e o quanto nos deixam plenos de amor. Abs Ana
    PS (?) ou PD: corrigindo Dona Gema que infelizmente morreu morando com o filho em Itaipava e Bebel sua yorkshire

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  2. Querido amigo Gimael,

    Hoje foi irresistível e levou-me às lágrimas seu longo e belo texto. Fico pensando em como um animalzinho consegue suplantar, com vantagens, a relação com nossos semelhantes, fazendo brotar um amor diferente de tudo, sem dizer nenhuma palavra e "falando" apenas via olhares e ações.
    É a expressão pura da nobreza e da altivez.
    Sem dúvida foi morar na casa do Grande Arquiteto, que os projetou e criou.
    Está em muito boas "patas"!!!

    Visentin.

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