segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A ÚLTIMA VEZ


A ÚLTIMA VEZ

Passei a noite em claro, olhando de tempos em tempos ao relógio cujos ponteiros andavam lentamente, com uma preguiça inusitada.
Apesar das reclamações de minha mulher, das ameaças de interpelar duramente nosso sobrinho Ricardo, deixando claro que essa seria “a última viagem a Caravelas”, pois o velho tio não tem mais idade nem condições físicas para a prática desse esporte temerário; o que me fazia perder o sono era a ansiedade, aguardando a ligação que a “caravana” estava perto e que deveria descer com minhas tralhas.
Sabia, que “no fundo”, essas queixas e ameaças de minha querida Rê, eram apenas preocupações, pois essa semana em Caravelas, totalmente desligado dos problemas cotidianos, é pausa importante para recarregar as baterias do velho coração e dar um descanso a  desgastada “cuca”.
Mal os lentos ponteiros ultrapassam o marco das três da matina, toca o celular, anunciando que já estão no final da linha vermelha, e que é chegada a hora de deixar tudo engatilhado na portaria do prédio, pois o pit stop será rápido, considerando o longo caminho a percorrer.
Chegam em dois carros, com um barco a reboque, fator que influi na velocidade média, pois a camionete fica mais lenta e pesada com o arrasto desse peso adicional.
A surpresa são os três ocupantes do carro pilotado por Renato Dadá Sassa Mutema, outro sobrinho, irmão de Ricardo, que trazia o filhote Lucas(11 anos) a tiracolo e outros dois sobrinhos, Henrique o Silencioso(18 anos) e Felipe(13 anos), o Sacatrapo Taludo.
Com tudo ajeitado, partimos rapidamente em direção ao cobiçado destino, com Ricardo Yellow ao volante, eu como copiloto e Rodrigo, o popular Digão Esteinhaeguer(25 anos), grande dentista, mergulhador e “arpeador” de corações e chibios, dormindo a sono solto, mesmo em posição desconfortável devido a excessiva lotação do veículo.
Sem a tradicional parada no Posto Oasis na entrada de Campos, para ganhar tempo, esticamos direto até Ibiraçú-ES,  onde paramos para encher os tanques e forrar o bucho com as tradicionais e apetitosas coxinhas, bolinhos de aipim e pasteis de todos os tipos imagináveis.
Reabastecidos, continuamos direto com mais uma ou duas rápidas paradas, aportando em Caravelas por volta das 16,00 horas locais, com “lucro” de uma hora, pois na Bahia não há a merda do horário de verão.
Ditinho, o administrador da ótima e confortável casa construída por Yellow, nos aguardava com a despensa cheia e a geladeira industrial imensa, repleta de cervejas de diversas marcas, inclusive uma especial, bem a gosto do titio.
Tralhas descarregadas e confortavelmente alojado na suíte especialmente reservada ao velho lobo do mar, iniciamos nosso ataque ao estoque de cervas, enquanto o mestre cuca Yellow organizava os preparativos para a primeira e deliciosa moqueca de camarão.
Confesso que jamais comi e bebi como dessa vez, pois muito bem instalado na ótima casa, equipada com tudo do bom e do melhor, e com Ricardo se esmerando no preparo dos mais variados pratos, obviamente a base de camarão e peixes frescos, deitei e rolei, deixando a gula prevalecer sem qualquer recalque.
A primeira saída ao mar aconteceu na segunda, com um inflável e uma lancha de alumínio. Chegamos aos corais após 40 minutos de muitos trancos, pois devido a pressa de meus sobrinho, a lancha saltitava como uma cabrita no cio, e o velho já caiu nágua, dolorido e alquebrado.
Estou desconfiado que foi de propósito, que Yellow colocou um elástico fodido de duro em meu arpão, pois apesar de inúmeras tentativas e de ferir meu peito com o forte atrito, mesmo com roupa de mergulho, não conseguia armá-lo, pois a força do velho já não é a mesma de outrora.
Dei apenas dois tiros, matando um pequeno peixe de curso que fiz questão de comê-lo bem frito e desperdiçando o derradeiro disparo num dentão curioso, que estava a uma boa distancia.
Fiquei o restante do tempo na lancha, enquanto Ricardo, Rodrigo e Renato se encarregavam de matar uma bela fieirada de garoupas, budiões e dentãos, parte dos quais seriam consumidos fritos ou em moquecas, sendo o restante filetado para consumo em nossas casas, no Rio e Itanhaém.
Fiquei impressionado com desembaraço de Lucas e Filipe no mar, que sem caçar, iam longe, no entorno dos corais, admirando os peixes coloridos e a bela paisagem marinha.
Henrique, apenas molhou levemente a estrovenga em um rápido mergulho, preferindo ficar no barco, pescando de linhada.
Na terça,  permanecemos apoitados em terra, para resolver problemas em um dos motores de popa e comprar produtos locais.
A oferta de camarões estava muito baixa, com os pescadores alegando que a maré grande de lua cheia não era propicia a pesca do delicioso crustáceo. Seguindo conselhos de Ditinho, resolvemos na quarta-feira passar uma pequena rede na praia de Yemanjá, onde com umas 2,30 horas de labuta, apanhamos aproximadamente uns 3 kg de belos camarões grandes(VG), devidamente documentado em fotos,
Apenas 3 kg porque a maré não estava para “peixes”. Imaginem se estivesse?
Esses baianos curtem realmente uma certa malemolência.
Na quinta, saída ao mar com a velha e boa traineira do mestre Val, equipado com uma velha arma menor que estava encostada.
Atracamos num local maravilhoso, raso, com cardumes de budiões que não via há muito tempo.
Antes de levar duas sérias lambadas no anular esquerdo por disparo acidental do elástico, matei uma bela garoupa e três budiões, encerrando o mergulho com o travamento do arpão e com o dedo doendo para cacete.
Digão e Renato se encarregaram de fazer uma bela fieirada, parte da qual foi degustada no próprio barco, em moqueca ou em postas muito bem fritas e saborosas, preparadas por mestre Val.
Na sexta-feira, descanso e ajeitamento das tralhas, dos isopores e das bagagens, que só couberam porque form acondicionadas em outra lancha que seria recambiada para Itanhaém.
O meninos se esbaldaram, aproveitando a praia, admirando e consumindo com olhares gulosos a caiçarinhas locais, ansiosos por retornarem mais “empenados” e desfrutarem dessas maravilhas baianas.
A semana passou tão depressa, mal dando para saciar nossos anseios de paz, calmaria, relaxamento, muita comida maravilhosa e manguaça a não mais poder.
Deixamos Caravelas por volta da 19,30 horas local, fazendo uma viagem tranquila, aportando no Rio as 9,30 da manhã de sábado, onde após rapidíssima parada, Ricardo não quis nem descer para tomar um café ou uma água, obviamente com pressa de chegar em sua casa e para não topar com a titia Regina.
Nos falamos por volta das 16,00 horas, com toda a turma já devidamente apoitada em Itanhaém.
Uma ótima e inesquecível viagem, com detalhes que ficam reservados apenas aos participantes do especial evento.
Essa foi uma maravilhosa última viagem.
A última, antes da próxima.
Sei que dona Regina entenderá minhas razões.

José Roberto- 28/01/19





    

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