segunda-feira, 14 de abril de 2014

DOCES LEMBRANÇAS

DOCES LEMBRANÇAS

Se viva, minha querida mãe faria hoje 102 anos.
Diante da saudade que bate forte no peito do filho preferido(eu sem achei que era) e diante de compromissos que limitam meu tempo nessa manhã, aproveito para republicar um texto que escrevi a longínquos seis anos, quando Hercília ainda estava entre nós.

“CARTA A MINHA MÃE

Ontem minha querida e velha mãe completou noventa e seis primaveras.
Desgastada pelos anos, andando com dificuldade, cabelos brancos e raleados( muito bem cuidados ), traz ainda no belo rosto a marca registrada de sua inquebrantável fibra.
Desde que me conheço por gente, lembro de minha mãe conduzindo com pulso firme, mas com extrema gentileza dos destinos de nossa família.
Era ela que controlava nosso desempenho escolar, cuidava da casa, de nossa saúde e higiene, administrando as  finanças muitas vezes precárias, fazendo de tudo para esticar a receita curta nos períodos de dificuldades.
Lutou como uma leoa para fazer de seus filhos pessoas de bem, responsáveis, insistindo com todos na busca do sonhado “canudo”, que poderia abrir novas portas e tornar a vida mais suave e com menos privações.
Casou-se aos quatorze anos e teve uma vasta prole, tratando de todos com desmedido carinho e abnegação.
Apesar de ter cursado apenas o nível básico, foi uma amante da literatura, sendo inclusive leitora assídua de jornais e revistas, complementando sua formação através desses veículos. Sempre foi uma mulher atualizada, “avis rara” em épocas machistas.
Foi assinante cativa da revista “Seleções”, por meio da qual aos nove anos,  ingressei no mundo mágico da leitura e das notícias sobre um mundo tão distante e inatingível.
Recordo  das tardes, que minha mãe lia em voz alta para meu pai, tranqüilamente acomodado na rede, romances e histórias cujo teor não entendia, porém despertavam a curiosidade para aquele mundo de sonhos e de novas descobertas.
Certa ocasião, pretendendo dar uma escapada, solicitei a devida permissão. Minha mãe condicionou a autorização, desde que soletrasse corretamente a palavra Washington. Acertei na pinta e recebi o alvará.
Este fato singelo foi um marco em minha vida, despertando meu interesse pelas palavras desconhecidas, tanto assim, que a primeira seção que lia nas ‘Seleções’, era a do inesquecível Arurélio Buarque de Holanda, “Enriqueça seu Vocabulário”, procurando melhorar o índice de acertos.
Percebendo minha queda pela leitura, sempre me estimulou, indicando os livros mais compatíveis com minha idade e discernimento, sedimentando esse amor que iria carregar e incrementar ao longo dos anos.
Com a chegada da televisão, em plena adolescência, assistíamos juntos nas altas horas, programas de debates entre políticos e autoridades, no período crítico que antecedeu a revolução, reforçando cada vez mais nossa grande afinidade e interesses convergentes.
Foi com orgulho que assistiu e participou da formatura dos filhos, resultado de sua incessante dedicação, empenho e  sacrifício, tendo investindo todo seu vigor nessa difícil empreitada que agora rendia os esperados frutos.
Viu com a tristeza de mãe, os filhos casarem e baterem asas para locais distantes, procurando seus próprios caminhos.
Quando as agruras do destino bateram em minha porta com a chegada da primeira filha, sem esmorecer, com sua reconhecida fibra deu-nos o necessário suporte, foi nosso “anjo da guarda”, permitindo que atravessássemos as grandes dificuldades com seu apoio, fé e força moral.
Sempre zelou pelo bem estar dos filhos com firmeza e muita garra, porém  sem jamais perder a ternura.
Durante anos foi presidente da Obra do Berço de Piracicaba, levando o conforto, orientação e bens materiais para  parturientes e mães necessitadas.
Hercília sempre foi uma lutadora, que com tenacidade e perspicácia soube manter a família unida apesar da distância e das adversidades passageiras.
Suportou com galhardia a longa enfermidade e morte do meu maravilhoso pai, encontrando forças para assimilar tão penosa perda, mantendo coesa a união e os laços familiares.
 Vergada pela força inclemente do tempo, mas lúcida e faceira,  completa mais uma primavera em sua frutuosa e predestinada existência.
Sempre vaidosa, com os cabelos tingidos e bem arrumados, aguarda ansiosa pela visita ou pelo telefonema dos filhos e netos,  suas eternas crianças, prontas para abrigá-los em seus braços protetores.
No coração do filho ausente bate aquela saudade doída, lembrando dos doces carinhos, dos agrados e das palavras de grande afeto.
Que Deus te abençoe minha querida mãe, que lhe de a saúde necessária para muitos reencontros e que a velha chama que brilha em seus castanhos olhos jamais se apague, ou que ao menos, perdure por um longo tempo.
Um beijo saudoso do filho ausente que muito a ama, respeita e admira.”

José Roberto- 15/04/08 
José Roberto-15;04/14





5 comentários:

  1. Mais uma vez você me emociona com esse relato terno e repleto de amor.
    Parabéns por ter essa bela alma de poeta.

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  2. Já me comoveu na época, há 6 anos, e hoje renova aquele sentimento!
    Luizinho.

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  3. Li pela segunda vez, novamente com comoção.
    Astor

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  4. Bela, carinhosa e justa homenagem.

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