segunda-feira, 23 de outubro de 2023

MEU AMIGO PANAIA- PARTE II

 

MEU AMIGO PANAIA- PARTE II

 

Faz pouco mais de um mês  que escrevi a primeira parte das memórias de minha infância e juventude, ao lado do querido e inesquecível amigo Panaia.

Aproveitando a fase saudosista que atravesso, continuarei contando nossas histórias, sem obedecer a linha do tempo, relatando nossas aventuras a medida que forem brotando em meu coração, sempre com uma ponta de alegria e outra de tristeza, pois Panaia, adoentado, não tem condições de ler os textos, todavia em lampejos de lucidez, recorde  momentos prazerosos que passamos juntos, pois várias vezes cita meu nome.

PARTE II

Embora fossemos amigos umbilicais, Betinho Bochetti também participava de boa parte de nossos aprontos.

Betinho tinha um irmão mais velho, Nenê Bochetti, calculo que tivesse uns 25 anos, que além de ter um bote(barco) que cobiçávamos, mantido a corrente e cadeado às margens do Rio Piracicaba, gostava de contar papo, dizendo que na Ripolândia, zona de meretrício, uma de suas preferidas era uma tal de Paraguaiana, famosa por suas artimanhas sexuais, que enganava os trouxas com um sotaque importado fajuto, mas sabíamos que era nascida num bairro rural das proximidades.

Nos três tínhamos a mesma idade. Com 13 ou 14 anos, suspeitava da veracidade dos feitos amorosos relatados por Nenê Bochetti, pois o danado não tinha namorada, o que achava estranho, já que propagava seu alto apreço pelo sexo oposto.

Mesmo assim, com os hormônios explodindo, gostávamos de suas histórias, uma delas muito conhecida, dizendo que nos encontros com a Paraguaiana, subia no apoio do pé da cama, a bichona deitada de pernas abertas, e saltava, encaixando direitinho na peluda caixa de prazeres, soltando ao mesmo tempo seu grito de guerra, “iuuuuu Paraguaiana”. Grito que ficou gravado em nossas mentes e que sempre usávamos quando bolávamos algumas sacanagens.

Todas essas histórias caíram por terra, quando na carroceria de um caminhão, numa noite memorável fomos conhecer a famosa Ripolândia.

A Ripolândia era um conjunto de casas, talvez uns dois ou três quarteiros quadrados, com casas contendo salas espaçosas, onde sentadas em cadeiras vagabundas, a meia luz, as gentis senhoritas aguardavam os clientes, sempre com fundo musical meloso, bem a gosto das damas da noite.

Descemos do caminhão e tentamos espiar pelas portas, verificando a qualidade das moçoilas que ofereciam seus préstimos, mas apenas conseguíamos dar uma olhada rápida, sendo “convidados” a se retirar, pelos leões de chácara e cafetões que controlavam o bordel. Mesmo assim não desistíamos, íamos tentando de casa em casa e as vezes, conversávamos com algumas donzelas que saiam para tomar ar fresco.

O famoso papudo, Nenê Bochetti, ao invés de ir ao encontro da tal Paraguaiana, cabisbaixo, numa esquina, olhava e cuspia no chão dizendo que estava indisposto, desmascarado e sem moral, pois percebemos e tivemos certeza, que o cagão, embora pudesse gostar, tinha receio de se aproximar da putada. Devia ser muito tímido, tanto assim que tempos depois, casou-se com uma gordinha feia e estrábica, talvez a única de quem ousou aproximar.

Depois dessa première, ficávamos na espreita, não perdendo a chance de participarmos da “romaria” com destino a Ripolândia, até ficarmos mais empenados e cair no agrado de alguma boa alma, que nos dava alguma canja , uma amostra grátis, pois não tínhamos grana para receber o serviço completo.

Todavia, a história da Paraguaiana e o grito de guerra, marcou época, ficando conhecido por quase todos os rapazes de Monte Alegre.

Alem desse irmão que não era de nada, Betinho tinha uma irmã mais nova, uma graça, chamada Marilda, uma de minhas paixões no difícil período de transição, infância/juventude. Era dois anos mais nova, contudo, sabida e um tanto ousada, pois era bem volúvel em seus namoricos, mudando rapidamente de parceiros. Esse é um outro capítulo que talvez a frente, narrarei com mais cuidado.

Algumas vezes, no período de férias escolares, Betinho conseguia apanhar a chave do cadeado que limitava nosso acesso ao cobiçado bote, do irmão, e nessas ocasiões bem cedo, nós três nos apossávamos do barco, e partíamos rio acima,

Para vencer a correnteza remávamos bem próximo a margem, em ritmo cadenciado, sentados no final do bote, lado a lado, eu e Betinho. Panaia preguiçoso, não gostava de remar e quando o fazia, de má vontade, perdíamos velocidade e depois de lhe dar um “croque”, preferíamos que ficasse sentado quieto no meio do bote. O danado não sossegava, dava sempre um jeito de nos incomodar, esborrifando água, soltando algum galho em nossa direção, sempre aprontando.

Remávamos por umas duas ou três horas, até chegar a um local de corredeiras, chamado “Cachoeira do Anastácio”, ancorando o barco e descendo num grupo de rochas que dividia o rio, passando o tempo pescando e mergulhando, pegando com as mãos nuas, peixes nas inúmeras tocas, com o destemor da juventude. Quando sentia, apalpando com cuidado, que na toca estava um peixe de couro, no caso os mandís, recuava e chamava Panaia, o único que tinha coragem e jeito para apanhar esse peixe, sem levar um terrível e dolorida ferroada. Panaia, dentre nós, sempre foi o que teve mais folego, conseguindo ficar mais tempo sob a água.

Depois desses afazeres, comíamos nossos lanches, tomando preguiçosamente um solzinho morno de inverno, além de se fartar com as laranjas que desciam flutuando pelo rio, provavelmente descartadas por plantadores da cidade de Limeira, quilômetros rio acima, por fugirem ao padrão de venda ou exportação.

Pelo meio da tarde, recolhíamos nossas tralhas e os peixes (cascudos, mandís, piabas) e descíamos folgados pelo meio do rio, com a força da correnteza, aportando ao cair da noite. Limpávamos o bote para não deixar nossas digitais e íamos para nossas casas, aliviando o coração apertado de nossas mães, embora soubessem, que durante as férias éramos nossos donos, livres, leves e soltos, sem hora para chegar.

Todavia, a regra que não podia quebrar, era o retorno da saída após o jantar, inapelavelmente as 22,00 horas, após o toque das sirenas da Usina, anunciando a troca de turno.

Nas raras vezes que ousei desobedecer essa regra de ouro, por distração, ou envolvido numa partida de Bochas, ou num jogo de Truco, Dona Hercília dava um jeito de me achar nas áreas sociais do Clube e com um leve sinal, marcava a penalidade me escoltando para o sagrado lar.

No máximo, além da advertência verbal, levava apenas um leve puxão de orelhas.

..........(CONTINUA)

José Roberto- 19;10/23

 

 

 

Um comentário:

  1. Recordar é viver! Quem já não ouviu isto? Até musica de carnaval tem: "Recordar é viver
    eu ontem sonhei com você..." Nossas memorias afetivas não nos deixam nunca, e esses eventos importantes, por você relatado, certamente continuam a nos inspirar e sustentar até agora as nossas ações de vida. Não fazemos mais as "molecagens", mas que elas estão dentro da gente estão. O bom é que este texto me levou até minha infância e adolecência em Juiz de Fora. Maravilha!

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