MÉDICOS POR VOCAÇÃO
O texto de hoje não é uma continuação do publicado ontem.
Aproveitei a deixa do único comentário postado, para
relembrar fatos que marcaram minha vida, alguns de forma dolorosa, difíceis de
serem relembrados.
Com menos de um mês de idade, por não produzir plaquetas
indispensáveis a coagulação do sangue,
Maria Silvia teve que ser internada no Hospital das Clinicas de São Paulo, onde
seria tratada pela maior autoridade em hematologia na época, Dra. Therezinha
Verrastro.
Período difícil, pois morávamos ema Atibaia e Maria Silvia
permaneceu internada durante 40 dias.
Durante esse período, Regina ficava no hospital durante o
dia e minha mãe, a noite. Eu passava o tempo que podia, inclusive sábados e
domingos.
Testemunhei casos que me assombraram, pois não havia quartos
particulares a não ser para portadores de doenças contagiosas.
As crianças eram atendidas sempre por um médico que fazia o
papel de monitor e diversos residentes, moças e moços que aferiam seus
diagnósticos com a palavra final do “instrutor”.
Vi residentes sorrindo, alegres, enquanto examinavam um bebê
prestes a falecer. Difícil entender essa frieza, essa falta de solidariedade,
principalmente para uma criancinha solitária, longe dos pais.
Convem salientar, que éramos os únicos pais e avó, que
ficavam de plantão na ala infantil do Hospital das Clinicas. As visitas de
outros pais ou parentes eram raras.
Em contrapartida a essa frieza, vi diversas vezes, um médico
que também atendia minha filha, carregando no colo e limpando o nariz de uma
criança pequenina, portadora de nanismo. Havia chegado doente e após curada,
foi esquecida pelos pais.
A pequenina vivia zanzando pelos quartos do hospital, sempre
com o nariz escorrendo e como não era bonitinha, poucos de lhe davam atenção, a
não ser aquele médico, que a carregava no colo, limpava seu narizinho e talvez
lhe contasse algumas histórias.
Ficava extremamente comovido com essa cena, pois presenciava
um ato sublime, de compaixão, caridade e amor ao próximo, um comportamento
digno de um verdadeiro médico.
Outro caso com que deparei e que ficou gravado em minha
memória, é de José Bourabebi, um “turcão” de quase dois metros de altura,
clinico geral, que encontrei pela primeira vez quando era prefeito de Ubatuba.
Conversar com ele na prefeitura ou na rua era um problema,
pois ocorriam interrupções a todo instante. Telefonemas de pessoas pobres
solicitando vales para compra de remédios, outros adentrando ao gabinete que
era franqueado a todos, reclamando de dores, mal estar.
Bourabebi interrompia nossa conversa, examinava rapidamente
o doente, escrevia num receituário os remédios indicados e autorizava a compra na
farmácia que fornecia remédios fiado a prefeitura.
Tentando acalmar um pouco sua vida, pois Ubatuba no início
dos anos 80 já começava a ter um crescimento acelerado, mudou-se de mala e cuia
para São Bento do Sapucaí, na época uma cidadezinha pacata próxima a Campos do
Jordão, na divisa com Minas Gerais, que deveria ter no máximo uns 3.000
habitantes.
Talvez, alem da medicina, tivesse vocação para político,
sendo eleito prefeito da cidade, que por sinal, há bom tempo não pagava as
contas de iluminação publica, possuindo um razoável débito com a CESP.
Certa ocasião, programei uma visita para ver se conseguia
equacionar essa divida, pois o parcelamento que havíamos firmado não vinha
sendo pago.
Econtrei Bourabebi na rua, em frente a decrépita prefeitura.
Como de costume estava atendendo doentes, ouvindo suas
queixas, apalpando, ascultando, sempre com bom humor, pois sem dúvidas, o
“turcão” tinha um imenso coração.
Depois de algum tempo, entramos na prefeitura.
Argumentei sobre os motivos de minha visita, esclarecendo
que ao menos, algumas parcelas atrasadas deveriam ser pagas, para evitar o
corte da própria prefeitura e de outras instalações que não comprometessem a
segurança e serviços essenciais.
Ele me franqueou as contas, deixando claro, que se pagasse a
CESP não poderia pagar os funcionários, pois a arrecadação municipal era
insignificante.
São Bento do Sapucaí subsistia a duras penas, graças ao
FPM-Fundo de Participação dos Municípios.
Obviamente e extra-oficialmente, sugeri que deixasse o
debito da CESP de lado, utilizando a minguada verba disponível para ir tocando
o dia a dia da prefeitura.
Esqueci de mencionar, que José Bourabebi possuía apenas um
fusquinha, não tendo nenhum outro bem, pois gastava a miséria que recebia,
pagando os remédios que receitava para seus pacientes.
Não sei que fim levou, pois como era talvez um 20, 30 anos
mais velho que eu, já deve ter morrido,
Com certeza, ocupando um lugar especial no céu.
Exemplos de pessoas, de profissionais honrados, que
aproveitaram seus conhecimentos para tentar minorar as dores e os males dos
semelhantes.
Verdadeiros exemplos de médicos por vocação, que praticaram
na integra o “Juramento de Hipocrates”.
José Roberto- 12/07/16
Muito bom! Senti que ao escrever estava homenageando a todos os médicos que praticam o "Juramento de Hipócrates". Todos nós precisamos muito deles no nosso dia a dia...
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