MEU AMIGO
PANAIA- PARTE II
Faz pouco mais de um mês que escrevi a primeira parte das memórias de
minha infância e juventude, ao lado do querido e inesquecível amigo Panaia.
Aproveitando a fase saudosista que atravesso,
continuarei contando nossas histórias, sem obedecer a linha do tempo, relatando
nossas aventuras a medida que forem brotando em meu coração, sempre com uma
ponta de alegria e outra de tristeza, pois Panaia, adoentado, não tem condições
de ler os textos, todavia em lampejos de lucidez, recorde momentos prazerosos que passamos juntos, pois
várias vezes cita meu nome.
PARTE II
Embora
fossemos amigos umbilicais, Betinho Bochetti também participava de boa parte de
nossos aprontos.
Betinho
tinha um irmão mais velho, Nenê Bochetti, calculo que tivesse uns 25 anos, que
além de ter um bote(barco) que cobiçávamos, mantido a corrente e cadeado às
margens do Rio Piracicaba, gostava de contar papo, dizendo que na Ripolândia,
zona de meretrício, uma de suas preferidas era uma tal de Paraguaiana, famosa
por suas artimanhas sexuais, que enganava os trouxas com um sotaque importado
fajuto, mas sabíamos que era nascida num bairro rural das proximidades.
Nos três
tínhamos a mesma idade. Com 13 ou 14 anos, suspeitava da veracidade dos feitos
amorosos relatados por Nenê Bochetti, pois o danado não tinha namorada, o que
achava estranho, já que propagava seu alto apreço pelo sexo oposto.
Mesmo assim,
com os hormônios explodindo, gostávamos de suas histórias, uma delas muito
conhecida, dizendo que nos encontros com a Paraguaiana, subia no apoio do pé da
cama, a bichona deitada de pernas abertas, e saltava, encaixando direitinho
na peluda caixa de prazeres, soltando ao mesmo tempo seu grito de guerra, “iuuuuu
Paraguaiana”. Grito que ficou gravado em nossas mentes e que sempre
usávamos quando bolávamos algumas sacanagens.
Todas essas
histórias caíram por terra, quando na carroceria de um caminhão, numa noite
memorável fomos conhecer a famosa Ripolândia.
A Ripolândia
era um conjunto de casas, talvez uns dois ou três quarteiros quadrados, com
casas contendo salas espaçosas, onde sentadas em cadeiras vagabundas, a meia
luz, as gentis senhoritas aguardavam os clientes, sempre com fundo musical
meloso, bem a gosto das damas da noite.
Descemos do
caminhão e tentamos espiar pelas portas, verificando a qualidade das moçoilas
que ofereciam seus préstimos, mas apenas conseguíamos dar uma olhada rápida,
sendo “convidados” a se retirar, pelos leões de chácara e cafetões que
controlavam o bordel. Mesmo assim não desistíamos, íamos tentando de casa em
casa e as vezes, conversávamos com algumas donzelas que saiam para tomar ar
fresco.
O famoso
papudo, Nenê Bochetti, ao invés de ir ao encontro da tal Paraguaiana,
cabisbaixo, numa esquina, olhava e cuspia no chão dizendo que estava indisposto,
desmascarado e sem moral, pois percebemos e tivemos certeza, que o cagão,
embora pudesse gostar, tinha receio de se aproximar da putada. Devia ser muito
tímido, tanto assim que tempos depois, casou-se com uma gordinha feia e
estrábica, talvez a única de quem ousou aproximar.
Depois dessa
première, ficávamos na espreita, não perdendo a chance de participarmos da
“romaria” com destino a Ripolândia, até ficarmos mais empenados e cair no
agrado de alguma boa alma, que nos dava alguma canja , uma amostra grátis, pois
não tínhamos grana para receber o serviço completo.
Todavia, a
história da Paraguaiana e o grito de guerra, marcou época, ficando conhecido
por quase todos os rapazes de Monte Alegre.
Alem desse
irmão que não era de nada, Betinho tinha uma irmã mais nova, uma graça, chamada
Marilda, uma de minhas paixões no difícil período de transição,
infância/juventude. Era dois anos mais nova, contudo, sabida e um tanto ousada,
pois era bem volúvel em seus namoricos, mudando rapidamente de parceiros. Esse
é um outro capítulo que talvez a frente, narrarei com mais cuidado.
Algumas vezes,
no período de férias escolares, Betinho conseguia apanhar a chave do cadeado
que limitava nosso acesso ao cobiçado bote, do irmão, e nessas ocasiões bem
cedo, nós três nos apossávamos do barco, e partíamos rio acima,
Para vencer
a correnteza remávamos bem próximo a margem, em ritmo cadenciado, sentados no
final do bote, lado a lado, eu e Betinho. Panaia preguiçoso, não gostava de
remar e quando o fazia, de má vontade, perdíamos velocidade e depois de lhe dar
um “croque”, preferíamos que ficasse sentado quieto no meio do bote. O danado
não sossegava, dava sempre um jeito de nos incomodar, esborrifando água,
soltando algum galho em nossa direção, sempre aprontando.
Remávamos
por umas duas ou três horas, até chegar a um local de corredeiras, chamado
“Cachoeira do Anastácio”, ancorando o barco e descendo num grupo de rochas que
dividia o rio, passando o tempo pescando e mergulhando, pegando com as mãos
nuas, peixes nas inúmeras tocas, com o destemor da juventude. Quando sentia,
apalpando com cuidado, que na toca estava um peixe de couro, no caso os mandís,
recuava e chamava Panaia, o único que tinha coragem e jeito para apanhar esse
peixe, sem levar um terrível e dolorida ferroada. Panaia, dentre nós, sempre
foi o que teve mais folego, conseguindo ficar mais tempo sob a água.
Depois
desses afazeres, comíamos nossos lanches, tomando preguiçosamente um solzinho
morno de inverno, além de se fartar com as laranjas que desciam flutuando pelo
rio, provavelmente descartadas por plantadores da cidade de Limeira, quilômetros
rio acima, por fugirem ao padrão de venda ou exportação.
Pelo meio da
tarde, recolhíamos nossas tralhas e os peixes (cascudos, mandís, piabas) e
descíamos folgados pelo meio do rio, com a força da correnteza, aportando ao
cair da noite. Limpávamos o bote para não deixar nossas digitais e íamos para
nossas casas, aliviando o coração apertado de nossas mães, embora soubessem,
que durante as férias éramos nossos donos, livres, leves e soltos, sem hora para
chegar.
Todavia, a
regra que não podia quebrar, era o retorno da saída após o jantar, inapelavelmente
as 22,00 horas, após o toque das sirenas da Usina, anunciando a troca de turno.
Nas raras
vezes que ousei desobedecer essa regra de ouro, por distração, ou envolvido
numa partida de Bochas, ou num jogo de Truco, Dona Hercília dava um jeito de me
achar nas áreas sociais do Clube e com um leve sinal, marcava a penalidade me
escoltando para o sagrado lar.
No máximo,
além da advertência verbal, levava apenas um leve puxão de orelhas.
..........(CONTINUA)
José
Roberto- 19;10/23
Recordar é viver! Quem já não ouviu isto? Até musica de carnaval tem: "Recordar é viver
ResponderExcluireu ontem sonhei com você..." Nossas memorias afetivas não nos deixam nunca, e esses eventos importantes, por você relatado, certamente continuam a nos inspirar e sustentar até agora as nossas ações de vida. Não fazemos mais as "molecagens", mas que elas estão dentro da gente estão. O bom é que este texto me levou até minha infância e adolecência em Juiz de Fora. Maravilha!