UM APARTAMENTO NA CONSOLAÇÃO
O telefone tocava insistentemente. Era quase meia noite e eu
estava entrando naquela fase gostosa do sono.
Meio zonzo, peguei o aparelho no mesmo instante que minha
filha pegava a extensão, ouvindo meio atordoado: “porra Gimael, porra, há
quanto tempo, porra!”
Até o Romolo conseguir se identificar, foram montes de
“porras e caralhos”.
O danado tinha abusado do scotch. Abrindo por acaso sua agenda, topou com meu
nome e telefone, que lhe havia sido dado por um amigo comum já há algum tempo.
Quis o destino ou a manguaça, que naquele exato momento ligasse para mim.
Esse fato ocorreu há uns três anos atrás e já fazia mais de
vinte que não falava e tinha notícias da figura.
Depois que despertei, papeamos por alguns minutos combinando
de nos encontrar na quinta-feira, num barzinho em Ipanema, onde outro conhecido
cespeano, iria dar uma canja com seu violão, cantando junto com sua
companheira, musicas da MPB.
Minha filha, que havia continuado na extensão e escutou
nossa conversa, veio ao meu quarto para perguntar quem era esse amigo
“porra-louca” do qual nunca tinha ouvido falar.
Estranhou o fato de eu ter um amigo assim tão “prafrentex”,
pois sempre me achou meio quadradão.
Contei então para minha curiosa filha, em linhas gerais, de
quem se tratava.
A primeira vez que cruzei com Romolo, foi no pátio da CESP
em Rio Claro, em 1968.
Olhei espantado para aquele sujeito cabeludo e barbudo,
parecendo Jesus Cristo, me perguntando como é que admitiam tipos como aquele na
empresa.
Fiquei logo com um pé atrás, pois naquele tempo, um sujeito
com aquela aparência não poderia ser boa coisa e estava admirado do terrível
Dr. Alberto Kuynjian não exigir a tosquia do cidadão, permitindo sua livre
circulação por seus domínios.
Depois, conversando com outras pessoas menos obtusas que eu,
fiquei sabendo que Romolo era boa gente, meio zen, com idéias e atitudes muito
avançadas para a época.
Tivemos pouco relacionamento, pois logo fui transferido para
Itanhaém, onde vim conhecer o resto de sua turma, pessoal de Juiz de Fora e
Belo Horizonte, de primeiríssima linha, na companhia do quais, todos solteiros,
aprontei um bocado.
Voltei a encontrar Romolo em 1974, quando fui transferido
para São Paulo, onde ele já estava trabalhando.
Embora em áreas diferentes, estávamos lotados no mesmo
prédio e assim passamos a ter um convívio maior, com a interveniência de um grande amigo comum(Norberto, meu grande,
grande, grande e saudoso amigo).
O caipira de Piracicaba já não mais estranhava aquele
cabelão e barba comprida.
Romolo morava num apartamento na Consolação e Norberto me
dizia, que lá era um tipo de pousada, aberta as viajantes “duros’, artistas em
começo de carreira, cantores, pessoas diversas, onde todos poderiam usufruir de
um teto amigo, principalmente nas horas de aperto e grana curta.
Vocês podem imaginar a mente aberta desse cara, simples e
despojado, mas culto e de gosto refinado, que acolhia em seu apartamento os
tipos mais diferentes e esquisitos de varias partes do país e do mundo.
Certa vez, quando estava sozinho em São Paulo, Regina e os
filhos estavam na casa dos pais, Norberto que também encontrava-se de passagem,
pois morava em Itapeva, me convidou para dar uma chegada no famoso apartamento
da Consolação.
Chegamos por volta das 20,00 horas. A porta estava
totalmente aberta, franqueada a todos.
Logo de cara topamos com o Romolo, com um copo de uísque na
mão, vestido com um caftan, conversando com um casal de franceses que estava de
passagem, viajando como mochileiros pelo Brasil.
Fiquei impressionado ao vê-lo sentado, com um ar
compenetrado, pernas abertas, sem cuecas
e com o saco a mostra, tentando seriamente arranhar o francês, atendo as
palavras do jovem casal. Era um espetáculo digno de uma foto.
Em seguida apareceu uma cantora em início de carreira, Tetê
da Bahia, que fazia uns bicos nas boates da região, e que já desfrutava da
hospedagem gratuita a mais de uma semana.
Me lembro, que pouco depois foi servida aos presentes uma
suculenta sopa. Caprichamos(Eu e Norberto) na dose de pimenta malagueta no
prato do francês, que para nossa consternação, achou ótimo e lambeu os beiços.
Foi uma noite inesquecível, num ambiente agradável e quase
surreal, com pessoas de diversos níveis intelectuais e de interesses, como se
participássemos de um típico filme de Fellini.
Morei em São Paulo até meados de 1978, tendo a oportunidade de almoçar diversas vezes com
Romolo , travando altos papos e
aprendendo a respeitar e entender
seus pontos de vista pouco ortodoxos, bem como sua forma de viver.
Depois que vim para o Rio perdemos o contato, cada um
seguindo seu caminho.
Em nosso reencontro, vinte e tantos anos depois, no Bar da
Lua, ponto de encontro GLS(não poderia ser num lugar normal), pusemos nossos
assuntos em dia.
Fiquei sabendo que
mora atualmente em Niterói, havia casado três vezes, tinha filhos e se
dava maravilhosamente com todas as ex-esposas. O Sujeito é um mestre no trato
com as mulheres.
Foi uma noite memorável, em companhia de minha mulher e da
filha mais velha. A caçula, origem dessas lembranças não estava presente, fato
que muito lamentou.
Nos despedimos ficando de nos encontrar brevemente, coisa
que principalmente por minha culpa, até hoje não ocorreu. Precisamos sanar
urgentemente essa terrível falha, pois quero que minha filha conheça meu amigo
“porra-louca”.
Existem acontecimentos que pelas mais diferentes razões
marcam nossa vida.
Essa noite tão diferente num
apartamento da Consolação, foi um deles, numa fase difícil de minha
vida, de muita luta e dinheiro curto, onde pude arejar minhas idéias, ver as
coisas sob outros ângulos, numa São Paulo ainda humana, mais agradável de se
viver, sem medo de roubos e assaltos .
Romolo podia deixar as portas de seu apartamento e do imenso
coração abertas, sempre pronto para
acolher os amigos e viandantes.
José Roberto- 24/06/08
UMA PENA NÃO SER POSSÍVEL RECUPERAR OS INÚMEROS COMENTÁRIOS, DE PESSOAS QUE CONHECEM O ROMOLO E QUE DESFRUTARAM DE SUA AGRADÁVEL COMPANHIA. MELHORAM E COMPLEMENTARAM O TEXTO.
ResponderExcluirConheci o nosso grande amigo Romolo em Itapeva, quando estive lá na implantação da nova Regional. Naquela ocasião pertencia a Regional de Itanhaém.Transferido para São Paulo fui morar no APTO 141 "gerenciado" pelo Romolo. Aquele apartamento tem muitas histórias e muitos amigos passaram por lá. Você amigo Gimael foi um grande frequentador e também faz parte das histórias do 141. Só falta recordarmos àqueles momentos.
ResponderExcluirVanderlei
Querido Vandeco.
ExcluirBons e saudosos tempo, quando a vida na cidade grande era bem mais prazerosa.
Lembro que você que fez a sopa que enchemos de pimenta e o gringos adoraram.
Abraços
Gigi