GULA
Como ex-aluno do Colégio Salesiano Dom Bosco em Piracicaba,
onde religião era matéria obrigatória, com provas mensais e final, ainda
recordo com algum esforço, dos abomináveis Sete Pecados Capitais.
Já havia pensado em escrever sobre o assunto, postergando
para uma ocasião mais oportuna que finalmente chegou, dando uma pausa na
política e no Petrolão(que o ministro Teori Suvaco de Cobra não ata nem desata,
não permitindo até hoje a divulgação e abertura dos processos contra políticos
e autoridades corruptas).
Escolhi começar pela Gula porque tenho culpa no cartório e
quem não tiver sucumbido algumas vezes a esse doce pecado, que atire a primeira
pedra.
Desde que me entendo por gente, sempre tive “olho grande”,
ou como dizia minha mãe, “olho maior que a barriga”.
Como na minha infância o dinheiro era curto, tinha que me
virar para fazer render a “semanada”, que mal dava para cobrir os custos de
duas entradas de cinema(Zig-zag, as 10,00 h no Cine Colonial e matine as 14,00
no São Jose, sempre aos domingos).
Fazia escondido alguns bicos, para faturar uns adicionais,
conforme já relatei num texto anterior.
Com um apetite de fazer inveja, sonhava em comer um “Bauru”
em cada lanchonete existente no centro de Piracicaba, começando pelo Gril Dog,
a primeira e mais famosa lanchonete da Noiva da Colina.
Quando minha madrinha de Birigui nos visitou, ganhei grana
suficiente para saciar minhas lombrigas na Sorveteria Paris. Sempre ficava a
“meia missa” chupando um ou dois picolés, ou mesmo degustando idêntica quantidade
de “casquinhas”.
Com a grana recebida de presente, me abanquei na sorveteria
e mandei ver!
Não sei ao certo o montante do meu consumo, mas recordo que
numa tarde muito quente, saí da sorveteria tremendo, com um frio danado.
Devo ter chupado tanto, até baixar minha temperatura
corporal.
Outro caso memorável de “olho grande” ocorreu na cantina do
Colégio, na época em que cursava a terceira série ginasial.
No recreio, minha grana dava apenas para um sanduíche de
mortadela e um refresco. Lamentei em voz alta não ter dinheiro para comer
alguns cobiçados “cremes da Martini”.
Jorginho Maluf, alcunhado Polifemo(gigante de um olho só, no
filme Ulisses, que narra a Odisséia), escutou meu lamento e perguntou quantos
cremes eu comeria.
Sem pestanejar, respondi que traçaria uns dez.
Na mesma hora Jorginho topou bancar a aposta. Se não
conseguisse, a dívida ficava por minha conta.
Assistido por uma pequena platéia de curiosos, iniciei a
“maratona cremística”.
Os três ou quatro primeiros desceram bem, o quinto e o sexto
empurrados.
No sétimo estava completamente lotado. Solicitei um copo
d’água para empurrar a maçaroca que havia juntado em minha garganta.
Como não tinha grana para pagar a aposta, tomei fôlego extra
e enfiei goela abaixo os três restantes.
Venci, mas nunca mais comi qualquer tipo de creme, nem da
Martini ou de outra marca qualquer.
Já casado, bem mais velho e mais esperto(pelo menos é o que
pensava), tomando tranquilamente um cervejinha num final de tarde na casa da
minha sogra, comentei que cairia bem um ovo cozido, daqueles coloridos, que
vendem nos botecos e pés sujos.
Minha sogra sempre muito gentil, perguntou quantos eu
queria. Respondi brincando que aceitaria uma dúzia.
Dito e feito.
Minha sogra cozinhou a dúzia e ficou assistindo minha
performance.
Acho que consegui comer uns oito, não me lembro ao certo.
Lembro apenas que acabei entalado, mesmo tomando alguns copos de cerveja.
Até hoje, numa idade decrépita, continuo com meu olhão
grande, bem maior que a barriga.
Não que coma demais, pois mais velho, sou até moderado em
minha alimentação, comendo bem, na hora certa.
Todavia, sempre compro ou mesmo quando cozinho, peco por
excesso.
Tenho medo que falte, errando sempre para maior.
A idade se encarrega de nos tornar mais moderados, com
poucas ou raras recaídas, mas mesmo assim, eventualmente acontecem.
Impossível resistir no “Informal”, a cumbuca do “saudável torresminho crocante”, devorada integralmente, acompanhada de três ou quatro
chopinhos, receita ótima para equilibrar o colesterol.
A medida que escrevo, vou lembrando de inúmeros outros casos
de gula explicita das quais fui acometido, e que deixo de relatar porque já me
alonguei demais.
E nem cheguei a falar de outros tipos de gula,
principalmente daquela típica dos políticos, por mais poder, mais cargos, mais
mordomias, mais vantagens, mais grana na cueca e muito, muito mais.
No meu conceito, até que a gula normal, a nossa, não a dos
políticos, é um pecado não tão capital!
José Roberto- 11/11/14
Zé
ResponderExcluirGosto muito de seus textos quando você aborda coisas pessoais, memorias, pois de alguma forma, são bem semelhantes as minhas e acredito, de muitos outros que nasceram nos anos 40 e 50.
Abcs.
Pedro Paulo
Meu caro Zé,apesar de dar apenas de quando em vez um pitaco ,
ResponderExcluirsou um leitor assíduo de s/textos,sempre atrativos.Abçs André
Interessante esta sua crônica. Eu jamais fui ou passou pela minha cabeça ser guloso. Talvez eu seja até um pouco guloso só nas cervejas. Muitas vezes quando começo não quero mais parar.Ninguém é perfeito e vou pensar no assunto.
ResponderExcluirAcompanho Pedro Paulo acima: estes textos pessoais poderiam ter sido escritos por mim, já que são as mesmíssimas experiências. Lembro-me de uma tia, carioca, que em visita à nossa família, em Juiz de Fora, deu-me uma moeda de Cr$ 2,00 (dois cruzeiros em 1951), que me permitiu "tirar a barriga da miséria" nos refrigerantes e "pão com salame", na cantina do colégio onde eu fazia o 2. ano do antigo primário.
ResponderExcluirUma grata e saudosíssima lembrança de um longínquo tempo, que não volta jamais...
Luizinho.