CONFISSÕES DE UM SEPTUAGENÁRIO

CONFISSÕES DE UM SEPTUAGENÁRIO

Ainda ontem eu tinha vinte anos.

Encarava o mundo e seus desafios de peito aberto, sem medo, com a força típica dos jovens de uma época dourada, que acreditava num país do futuro.

Nessa longa jornada trilhei muitos caminhos, alguns escolhidos com prudência, conduzindo aos destinos esperados e portos seguros, outros, afoitamente, atalhos ilusórios que causaram muitas quedas e danos, superados a duras penas, mesmo deixando em seu rastro cicatrizes e o gosto amargo dos dissabores.

Tirei a sorte grande ao escolher minha companheira, a caiçara morena e formosa que vi pela primeira vez em Rio Claro e que um empurrão do destino me fez reencontrá-la em Itanhaém.

Juntos, perseguimos e conquistamos boa parte de nossos sonhos comuns, constituímos nossa família, três filhos maravilhosos que já frutificaram, nos brindando com uma linda e graciosa netinha.

O tempo passou rápido demais, pois as vezes tenho dificuldade de acreditar que já tenha chegado aos setenta anos.

Olhando para trás, muito para trás, lembro de minha angústia e pressa em completar 10 anos, para tirar uma carteira de identidade que permitisse minha entrada nos filmes proibidos até essa faixa etária,

Para os jovens de hoje, difícil entender que nos velhos tempos, os porteiros dos cinemas eram rígidos, exigindo comprovação de idade para assistir filmes tão inocentes. O rigor era ainda maior nos filmes proibidos até 14 anos, nos até 18, nem se fala.

A ansiedade maior era atingir os 18, idade que nos mudava de patamar, rompendo os grilhões da juventude , nos incorporando ao mundo adulto, com todas suas inerentes responsabilidades.

Recordando com saudade essas preocupações juvenis, tenho a sensação que  essas etapas passaram rápidas demais. O tempo fluiu numa velocidade incontrolável, imperceptível para quem julgava dispor de amplos créditos no calendário da vida.

Hoje, septuagenário, olhando calmamente o longo caminho percorrido, puxo na memória ainda razoável, os maiores desafios que enfrentei, a dificuldade em me adaptar a prodigiosa evolução da ciência e da tecnologia, pois minha geração viveu uma época peculiar, dos grandes avanços, do imenso salto para o futuro.

Lembro com muita saudade dos pais que já se foram e nos acompanham lá do alto, junto com amigos inesquecíveis que também partiram prematuramente e que tanta falta me faz.

Na idade provecta que atingi, lembranças são parte importante e devem ser revividas com amor e carinho, porem sem jamais abdicar do dia a dia, de desfrutar  a alegria de viver, de continuar sonhando com o futuro, mesmo que ele não esteja tão distante.

Sigo, com o vigor limitado de um setentão, mas com a mente que acredita não ter chegado aos cinqüenta, os caminhos traçados pelo destino, com a supervisão de Deus, amparado pelo anjo da guarda e por Tonico e Hercília que continuam velando pelo filho.

No balanço geral da minha vida até a presente data, devidamente auditada por minha velha e calejada consciência, publicado em tempo hábil, considero que gestão dos ativos, mesmo sem resultados excepcionais, supera os desvios que geraram um passivo tolerável.

Espero de coração, que minha família e meus queridos amigos, continuem investindo nesse velho, que mesmo que mesmo quando errou, tentou acertar.

José Roberto- 20/05/15