DOCES LEMBRANÇAS
Se viva, minha querida mãe faria hoje 102 anos.
Diante da saudade que bate forte no peito do filho
preferido(eu sem achei que era) e diante de compromissos que limitam meu tempo
nessa manhã, aproveito para republicar um texto que escrevi a longínquos seis
anos, quando Hercília ainda estava entre nós.
“CARTA A MINHA MÃE
Ontem minha querida e velha mãe completou noventa e seis
primaveras.
Desgastada pelos anos, andando com dificuldade, cabelos
brancos e raleados( muito bem cuidados ), traz ainda no belo rosto a marca
registrada de sua inquebrantável fibra.
Desde que me conheço por gente, lembro de minha mãe
conduzindo com pulso firme, mas com extrema gentileza dos destinos de nossa
família.
Era ela que controlava nosso desempenho escolar, cuidava da
casa, de nossa saúde e higiene, administrando as finanças muitas vezes precárias, fazendo de
tudo para esticar a receita curta nos períodos de dificuldades.
Lutou como uma leoa para fazer de seus filhos pessoas de
bem, responsáveis, insistindo com todos na busca do sonhado “canudo”, que
poderia abrir novas portas e tornar a vida mais suave e com menos privações.
Casou-se aos quatorze anos e teve uma vasta prole, tratando
de todos com desmedido carinho e abnegação.
Apesar de ter cursado apenas o nível básico, foi uma amante
da literatura, sendo inclusive leitora assídua de jornais e revistas,
complementando sua formação através desses veículos. Sempre foi uma mulher
atualizada, “avis rara” em épocas machistas.
Foi assinante cativa da revista “Seleções”, por meio da qual
aos nove anos, ingressei no mundo mágico
da leitura e das notícias sobre um mundo tão distante e inatingível.
Recordo das tardes,
que minha mãe lia em voz alta para meu pai, tranqüilamente acomodado na rede,
romances e histórias cujo teor não entendia, porém despertavam a curiosidade
para aquele mundo de sonhos e de novas descobertas.
Certa ocasião, pretendendo dar uma escapada, solicitei a
devida permissão. Minha mãe condicionou a autorização, desde que soletrasse
corretamente a palavra Washington. Acertei na pinta e recebi o alvará.
Este fato singelo foi um marco em minha vida, despertando
meu interesse pelas palavras desconhecidas, tanto assim, que a primeira seção
que lia nas ‘Seleções’, era a do inesquecível Arurélio Buarque de Holanda,
“Enriqueça seu Vocabulário”, procurando melhorar o índice de acertos.
Percebendo minha queda pela leitura, sempre me estimulou,
indicando os livros mais compatíveis com minha idade e discernimento,
sedimentando esse amor que iria carregar e incrementar ao longo dos anos.
Com a chegada da televisão, em plena adolescência,
assistíamos juntos nas altas horas, programas de debates entre políticos e
autoridades, no período crítico que antecedeu a revolução, reforçando cada vez
mais nossa grande afinidade e interesses convergentes.
Foi com orgulho que assistiu e participou da formatura dos
filhos, resultado de sua incessante dedicação, empenho e sacrifício, tendo investindo todo seu vigor
nessa difícil empreitada que agora rendia os esperados frutos.
Viu com a tristeza de mãe, os filhos casarem e baterem asas
para locais distantes, procurando seus próprios caminhos.
Quando as agruras do destino bateram em minha porta com a
chegada da primeira filha, sem esmorecer, com sua reconhecida fibra deu-nos o
necessário suporte, foi nosso “anjo da guarda”, permitindo que atravessássemos
as grandes dificuldades com seu apoio, fé e força moral.
Sempre zelou pelo bem estar dos filhos com firmeza e muita
garra, porém sem jamais perder a
ternura.
Durante anos foi presidente da Obra do Berço de Piracicaba,
levando o conforto, orientação e bens materiais para parturientes e mães necessitadas.
Hercília sempre foi uma lutadora, que com tenacidade e
perspicácia soube manter a família unida apesar da distância e das adversidades
passageiras.
Suportou com galhardia a longa enfermidade e morte do meu
maravilhoso pai, encontrando forças para assimilar tão penosa perda, mantendo
coesa a união e os laços familiares.
Vergada pela força
inclemente do tempo, mas lúcida e faceira,
completa mais uma primavera em sua frutuosa e predestinada existência.
Sempre vaidosa, com os cabelos tingidos e bem arrumados,
aguarda ansiosa pela visita ou pelo telefonema dos filhos e netos, suas eternas crianças, prontas para
abrigá-los em seus braços protetores.
No coração do filho ausente bate aquela saudade doída, lembrando
dos doces carinhos, dos agrados e das palavras de grande afeto.
Que Deus te abençoe minha querida mãe, que lhe de a saúde
necessária para muitos reencontros e que a velha chama que brilha em seus
castanhos olhos jamais se apague, ou que ao menos, perdure por um longo tempo.
Um beijo saudoso do filho ausente que muito a ama, respeita
e admira.”
José Roberto- 15/04/08
José Roberto-15;04/14
Lindo.
ResponderExcluirMais uma vez você me emociona com esse relato terno e repleto de amor.
ResponderExcluirParabéns por ter essa bela alma de poeta.
Já me comoveu na época, há 6 anos, e hoje renova aquele sentimento!
ResponderExcluirLuizinho.
Li pela segunda vez, novamente com comoção.
ResponderExcluirAstor
Bela, carinhosa e justa homenagem.
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