FLAGRANTES DA VIDA REAL
Desde que Vick, meu fiel escudeiro entrou na minha vida,
adquirimos o hábito de circular pela Praça da Macumba duas vezes ao dia, pela
manhã e a tardezinha.
Uma caminhada de uns duzentos metros, cruzando pelo caminho
com inúmeros postes, plantas e arbustos, onde o valoroso Vick deixa sua marca(rega
as plantas e os postes), avisando a todos que ali é seu território.
Quinta-feira passada, quando cumpríamos nosso ritual no
período da tarde, observei uma moça bem vestida, abaixando e depositando algo
ao pé da jaqueira, tradicional ponto de despachos.
Estava a uns sete metros do local e obviamente pensei
tratar-se de uma oferenda, porem qual foi minha surpresa ao ver a jovem ficar
de cócoras, baixar as calças, retirar um modess bem vermelho dentre as pernas,
fazer xixi, colocar outro modess, aprumar-se, apanhar a mochila no chão que eu
havia confundido com um despacho, e depositar o invólucro numa lixeira próxima(para
os mais velhos, absorvente higiênico se chama modess).
Passando a meu lado, a jovem me cumprimentou com um leve
sorriso de ironia, talvez, pensando com seu botões: “vá cuidar dos netos, velho
tarado”.
Essa ousada senhorita desconhece o reais motivos da minha
curiosidade, pois registro fotograficamente todas os despachos efetuados na
praça, e quando a vi de cócoras, calculei erroneamente que se tratava de mais
uma oferta aos orixás, que por sinal anda em baixa, devido a terrível crise que
nos afeta, até os terreiros de umbanda.
Ressabiado, voltamos para casa sem mencionar o assunto para
mulher e filhos.
No dia seguinte, pela manhã, observei mais de longe uma
senhora que parecia depositar algo aos pés da frondosa jaqueira.
Escaldado, arrisquei alguns furtivos olhares mais de longe, fingindo
total alheamento.
Rapidamente a senhora terminou o que estava fazendo, entrou
num carro e partiu sem olhar para traz.
Como já estava retornando, de longe notei que se tratava
mesmo de um despacho, por sinal bem modesto, com um garrafa de tubaina ou
similar, algumas doces de botequim e um pouco de balas, dispostos num pratinho
de papelão.
Não entendo do riscado, mas me pareceu uma oferenda bem
mequetrefe, que talvez nem despertasse a atenção das divindades.
Deixei para fazer o registro fotográfico a tarde, porem,
para minha surpresa, nada mais havia no local, talvez degustado pelo mendigo
que comumente dorme na praça.
Na volta, ousei relatar as duas ocorrências para minha
mulher, me arrependendo amargamente, pois alem de quase levar uns cascudos, fui
injustamente acusado de ser um velho tarado, ouvindo na marra, um sermão sobre
essas manias inconvenientes de velho aposentado.
Concluo com a certeza que fui mal compreendido, sendo apenas
uma testemunha ocular de eventos anormais, quando na realidade, queria somente
documentar os despachos, como faço habitualmente.
Vick é testemunha, jurando de rabo enrolado, que falo e
escrevo estritamente a verdade dos fatos.
José Roberto- 30/11/15
E.T- Fotos da praça, despojada e mal cuidada.